Caminho do meio
Pensata 08/10/2005, FOLHA ONLINE A companheira diz que é ansioso demais, a filha diz que fala muito bravo ao telefone, a empregada foi embora porque nunca fica satisfeito com nada, caramba.
Aos amigos dedica uma atenção exagerada, e em geral fica esperando uma atenção que jamais virá, porque simplesmente não vai corresponder à falsa expectativa criada.
Às injustiças destina um ódio impotente, porque no fundo sabe da ineficácia de seus meios para combatê-las --e isso aumenta ainda mais sua desolação.
Aos maus desistiu de expor a bondade, aos bons não tem mais saco para alertar sobre os ódios que há. E aos ingênuos, de que adianta apresentar as malandragens da vida?
Depara-se, portanto, com uma constatação inevitável: diante sempre de duas possibilidades, não sabe, não pode ou não quer escolher uma ou outra.
Ainda há pouco pensou, quando aquela velha desilusão amorosa retornou às suas ruminações, que talvez fosse possível apostar no que pode ocorrer um pouco mais adiante do que se suicidar imaginariamente duas vezes ao dia.
Cogitou também que, quem sabe, esteja exagerando no preto-no-branco, no isso ou aquilo, no tudo ou nada.
Já perdeu tempo demais, constatou, sofrendo pelo que deixou de fazer, sem conseguir supor, imaginar ou simplesmente aceitar que tudo o que presenciou, experimentou, desfrutou ou teve de engolir daria enfim para uma, duas, três vidas.
Lembrou-se então do sonho que outra boa amiga lhe contou: a mãe olha para ela solenemente e afirma: "Minha filha, tem gente que deixa de tomar dry martini só porque não tem azeitona."
E diante disso concluiu que é possível, se não necessário, trilhar um caminho que pode ser aberto bem no meio das decisões que nunca mais quer tomar.
 | Luiz Caversan, 50, é jornalista. Foi repórter especial e diretor da Sucursal do Rio da Folha. Escreve crônicas sobre cultura, política e comportamento aos sábados para a Folha Online. |